Work Text:
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âO tempo é aquele rio que flui em direções diferentes para cada um.â
— De repente, em um necrotério secreto e numa noite úmida de Cardiff, ouvi o canto de um rouxinol. — Jack parou diante da grande porta engrenada que se abria para ele e sua equipe com um sorriso nos lábios. Martha apareceu acompanhada de Ianto, percorrendo o olhar por tudo à sua frente. — Senhorita Martha Jones.
Martha sorriu. Jack lhe jogou uma piscadela.
(...)
Martha ficou eufórica. Distraidamente, examinou alguns pertences da prateleira e sentou-se, entusiasmada, à mesa, com Jack à sua frente.
— Estou muito feliz em vê-lo novamente, Jack.
— Viu? — Ele apontou acusadoramente para ela. — Sabia que tu tinha vindo aqui somente por mim. É por causa do queixo; quando o vê, sente saudades.
Martha esboçou um sorriso. Jack respondeu com uma gargalhada. Ela refletia sobre aquelas risadas forçadas de Jack, perguntando-se como seria genuína, sem ter a obrigação de remediar algo. Inclinou a cabeça para o lado e permaneceu assim por alguns segundos.
Enquanto isso, ele remexia os dedos de uma mão nos da outra.
— Sente falta dele? — perguntou Jack com a voz rouca.
Martha demorou a responder. O sorriso esboçado há pouco se dissolveu lentamente, substituído por um olhar conformado e relaxado.
— Você não? — retrucou em um tom suave.
Ela o encarou, com o peso das próprias escolhas refletido nos olhos dele. Ambos compartilhavam o mesmo fardo. Jack desviou o olhar, fixando-se no vazio à frente, como se visse algo distante — uma lembrança, uma perda, um mundo destruído.
— Isso não mudaria muita coisa — sussurrou ele. Não era uma confissão, mas um fato. A ausência do Doutor era apenas mais um vazio em uma lista que ele carregaria para sempre.
— E aí nós dois voltamos à realidade — completou Martha, com um sorriso contido. A dor estava lá, mas a verdade era mais forte. O Doutor seguiu adiante e ela, no fim das contas, foi apenas mais uma linha na história dele. Não era culpa dele, embora isso não fosse uma verdade absoluta.
Jack sorriu dolorosamente.
— Você tem sorte. Um dia, tudo isso se esgota. Um dia, você vai poder deixar isso para trás... e eu... — Ele suspirou. — Eu continuarei aqui. Sempre.
Martha não costumava desfazer a suavidade de sua expressão, a não ser que estivesse muito brava. Ela sempre mantinha as sobrancelhas levemente erguidas, como se dissessem: "Certo, estou ouvindo". Por isso, se estivesse vagamente triste ou desapontada, não demonstraria. Não para Jack.
— Ninguém vive para sempre, Jack — disse ela, arrumando a gola de sua camisa. Jack, notando a ironia, apontou para si mesmo. — Você é uma pessoa adorável, mas um dia o tempo vai se cansar de ti.
Uma profecia pairava no ar, mas Martha nunca a mencionava abertamente.
— E realmente acredita nisso?
Com um movimento mínimo — uma piscadela lenta e um aceno discreto —, ela transmitiu a confiança que ele não se dava o direito de ter para essas coisas.
— Queria poder acreditar também — disse ele, com a voz se perdendo em um riso sem alegria. Como sempre.
Martha soltou o ar devagar e, quebrando a seriedade do momento, esboçou um sorriso largo, mostrando todos os dentes que podia.
— Olha, prometo dar um jeito de te visitar. Se viver, sei lá, dois bilhões de anos ou mais, estarei lá para te dar um "oi". — Ela solta uma risada. — Vai ver, serei a única pessoa a estar contigo do começo ao fim por vontade própria.
Jack riu. Seu sorriso, genuíno ou não, sempre iluminava seu rosto.
— E como pretende fazer isso?
Ela deu de ombros, exibindo sua recente personalidade erudita.
— Ah, sabe como é. Sou uma pessoa inteligente. Quem sabe eu possa "pegar emprestado" uma TARDIS por aí ou fugir com o seu manipulador de vórtex. Ou talvez a UNIT tenha algo útil guardado para mim.
Ele riu. No entanto, algo em seu peito apertou. Aquela promessa era improvável, mas a ideia de ter um rosto conhecido ao longo de sua eternidade... Isso aquecia um pouco o seu coração.
— Seria reconfortante ver um rosto que não me abandonou.
Com um olhar que parecia enxergar suas feridas mais profundas, Martha se moveu repentinamente em direção a Jack, apontando-lhe o dedo como quem acusava.
— Você é uma pessoa que vale a pena ser cuidada, Jack.
O peito perdeu o ritmo por alguns instantes... Ele não sabia se podia acreditar, mas como rejeitar a ideia? Esperar era tudo o que restava. Esperar era inevitável — e o tempo nunca lhe faltava. Ele temia que ela ficasse decepcionada se cumprisse a promessa enquanto ele falhasse. Por isso, escolheu acreditar.
Quando se espera por algo, tantos anos parece valer a pena.
Jack apenas sorriu, disfarçando o turbilhão dentro de si, como sempre fazia. Estendeu a mão, e ela a segurou com firmeza.
— Bom, estarei esperando por você, Senhora Jones.
— É, eu sei que sim.
(...)
Planeta Nova Terra – Ano 5,000,000,023.
No canto escuro e parcialmente iluminado do Senado, Martha correu ao ouvir a voz do Doutor chamando seu nome. Ela se apressou, o sorriso de alívio brotando em seu rosto — até que congelou, se desfazendo, ao avistar uma enorme cabeça repousando no chão estilhaçado.
De um lado, estava ajoelhado o Doutor; do outro, uma gata-humana.
— O que é isso? — perguntou ela ao Doutor, referindo-se mais àquela grande cabeça do que ao fato de ter um gato-humano entre eles.
— O Rosto de Boe. Está tudo bem — ele responde quase imediatamente. — Venha dar um oi. Esta é a Hame. E ela é uma gata, não se preocupe.
Martha deu um passo à frente.
— Olá — Martha cumprimentou, colocando as mãos no bolso de seu casaco ao imaginar o papel que esteve ali por um longo tempo. — Cheguei um pouco atrasada.
E o Rosto de Boe, com uma voz fraca, serena e profunda, respondeu:
— Ah... Escuto o canto de um rouxinol, finalmente.
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