Porque É Tudo Sobre Ele

Categoria: Doctor Who / Jack e Martha

━━━༺Dois amigos, extremamente exaustos, tentam evitar falar sobre aquele que, embora tenha curado suas feridas, foi o mesmo que as causou. "Ele é como uma droga, a porra de uma droga viciante." 


+ Novo Capítulo


Capítulo único

2025-05-21 18:20:19

A translation of Because It's All About Him by 

━━━༺ Betagem @serpentae
- projeto: wonderfuldesigns.com.br - Obrigada pelo trabalho maravilhoso♡

— Você pode voltar a qualquer momento. — Jack acariciou o rosto de Martha, fazendo-lhe um convite silencioso após uma série de abraços de despedida dos colegas. Ela esboçou um sorriso distante.

— Bom, eu espero que não. — Suspirou baixo.

Jack, parado diante dela, queria apenas questionar o porquê, mas manteve os lábios comprimidos.

— Sinto muito. Acho que, além de ter caminhado sobre a terra — começou ela, segurando a mão do homem que sustentava sua mandíbula —, também sou conhecida como aquela que foge antes de colocarem as cadeiras sobre as mesas.

Jack sorriu abertamente, um sorriso genuíno que surgiu sem esforço. Às vezes, ele sorria sem perceber, sem motivo aparente. Ele não compreendeu completamente o que ela quis dizer sobre fugir. Não houve beijo, nem mesmo um abraço ou um aceno de despedida. Ela pegou sua bolsa, sorriu e se afastou.

Martha recusou o convite de Jack novamente, e então, na segunda tentativa, ele simplesmente desistiu de insistir.

Algum tempo se passou até que eles se encontrassem outra vez. Jack ligava para ela com frequência, pedindo informações que só a UNIT tinha ou que Owen não podia fornecer — não mais. Ou como naquela vez em que Jack ligou e, após um "Olá, Sra. Jones", permaneceu em silêncio. Martha não desligou, apenas ouviu o som abafado de seu choro contido do outro lado da linha. Aquele celular podia receber ligações de qualquer lugar ou momento no tempo e espaço, então era provável que Jack estivesse sozinho e perdido. Ela permaneceu em silêncio, esperando que ele dissesse algo além do "eu..." interrompido.

Era como estar diante de um amigo e não ter o que dizer, e, mesmo que tivesse, não achar que devesse. Então, há o abraço e ele desaba. Martha não podia aconchegá-lo; portanto, apenas o ouviu. Ela não sabia se havia agido certo.

Deveria ter dito ou perguntado alguma coisa?

Quando se encontraram novamente, ela estava grávida. Jack fez algumas piadas inocentes, nada maldosas ou realmente desanimadoras, comentários como "Por que Mickey? Eu seria uma alternativa muito mais interessante". Em seguida, fez uma pausa antes de dizer que fazia tempo que não se aproximava de uma grávida. Ele parecia um pouco desconfortável, até mesmo assustado. Era um homem que não morria, e se aquilo o estava afetando, levando-o a desejar a própria morte, era irrelevante. Naquela situação, Martha estava gerando mais um habitante da Terra. Ele se sentiu como um pedaço de lixo.

Passaram horas conversando em uma cafeteria.

Sobre ele.

Porque era sempre sobre ele.

Estavam exaustos...

Então, fizeram aquele acordo idiota: não falar sobre o Doutor.

Em algum momento, uma barreira intransponível acaba se estabelecendo nas relações interpessoais dos indivíduos. E é neste instante que tudo fica estranho. Para Martha, foi o momento em que sua vida se transformou em uma jornada emocionante e frustrante. Em um determinado segundo, ela estava no Japão; em outro, havia se tornado uma Gargoyle. Também havia alienígenas, e ela reencontrou o Doutor com cabelos loiros e orelhas proeminentes, depois com uma gravata borboleta... ou será que tudo isso aconteceu em ordens diferentes? Ela não tinha certeza se tudo realmente havia ocorrido — desistiu de registrar em seu diário mental cada decisão que tomou.

A verdade era que o Senhor do Tempo tinha mostrado que a vida era muito mais do que nascer, estudar, trabalhar, envelhecer e morrer. Ela queria aquelas aventuras e muito mais. Em um momento de êxtase emocional — que se prolongou por um bom tempo —, subitamente ela se viu sem saber o que estava fazendo.

O Doutor era uma droga.

( • • • )

Naquela terça-feira, Jack estava com as mãos nos bolsos do casaco — embora estivesse quente, ele não as tirou —, parado do outro lado da rua, encostado na parede de uma casa ou estabelecimento comercial. Era dia, algo diferente daqueles encontros secretos e emocionantes sob a luz da lua, em uma rua deserta.

Jack sorriu. Era aquele sorriso de sempre, largo e aberto. Ele tinha marcas de expressão de tanto sorrir, Martha pensava; sorria demais. Era sua armadura. E ela gostava quando ele sorria simplesmente porque era bonito, embora quase nunca se sentisse à vontade para pensar nele daquele jeito.

E ela era agridoce demais quando sorria sem necessidade, pensava Jack.

Eles se abraçaram. Ele perguntou pela família Jones; ela evitou perguntar sobre Owen, Tosh... Ianto. Não sabia quando seria apropriado falar deles. Então, com solenidade, perguntou se ele havia falado com Gwen novamente. Ele negou. Gostaria de ter dito algo mais sobre isso, uma piada, uma anedota, mas não tinha muito a dizer. Na última vez em que Martha viu Gwen, ela levou um corpo à porta de sua casa. Mas sobre isso, ela também preferiu não comentar.

Consequentemente, ficaram encostados na parede, lado a lado, em silêncio.

— Você está ótima! — disse Jack, olhando-a de cima a baixo. — Como está o...?

Jack se sentiu completamente estúpido por não saber o nome do filho de Martha naquela altura.

— Está tudo bem. Ótimo. — Ela sorriu, mas não corrigiu e nem disse o nome do bebê. Martha também não sabia se ele se referia a Mickey ou August. Por precaução, garantiu que todos estavam bem.

O silêncio parecia sufocante. Eles não tinham o que dizer um ao outro.

Ah, tinham, sim.

Palavras solitárias, pensamentos dispersos, sentimentos cruzando-se sem lógica. Sangue, desgaste e a tênue certeza de que, de algum modo, ainda havia algo ali, naquele vazio em que se transformaram.

Martha estava mais ansiosa — considerando o momento — do que Jack. A questão era que, obviamente, Jack estava um pouco mais abatido do que Martha. Como sempre, era toda aquela história de não morrer, sentir a dor de todas as suas mortes e perder pessoas de forma tão recorrente. Seu rosto parecia distante, como se estivesse fingindo se importar com cada pessoa que passava à sua frente.

Martha estalou os dedos — parecia ter desenvolvido uma estereotipia há alguns meses — e suspirou profundamente.

Cuspiu um sorriso. Muitas coisas passaram por sua cabeça em poucos segundos.

Jack olhou para ela, procurando por algo e esperando.

Martha olhou para ele, apenas procurando.

Como um simples olhar pode ser tão eloquente em seu silêncio? Se fosse possível, seus glóbulos teriam rachado como vidro seco, pela falta de piscadas. E os sorrisos? Ausentes. Parecia que, finalmente, haviam entendido que não precisavam provar nada com aquela expressão de falsa alegria.

Jack forçou a deglutição. Ele queria muito chorar.

— Ontem, eu tive um sonho — Martha começou, sem desviar o olhar do companheiro.

— É mesmo? — Percebia-se gentileza nas palavras do homem, talvez até um pouco de gratidão por ela ter quebrado o silêncio.

— Sim. Eu era o universo.

Jack ergueu uma sobrancelha.

— Literalmente?

— Bem... — Martha espremeu os lábios — eu era uma parte significativa dele. Tipo, zero vírgula e muitos zeros antes do um por cento.

— Acho que todos nós somos um pouco do universo, bem, considerando os átomos e...

Martha interrompeu Jack bruscamente.

— Não dessa forma. Eu era importante, de verdade. Literalmente. Era como se o universo fosse um Deus que, cansado de existir como uma colmeia para suas abelhas, decidisse criar um fantoche para coexistir entre os seres vivos dos planetas que ele mesmo continha...

Martha falou tão rápido e com tanta convicção que quase soou como uma verdade absoluta.

— Então, ele se dividiu em minúsculos pedaços, espalhando-se por aí, renascendo como humano, alienígena e até mesmo lugares. E eu era um desses pedaços.

— Você tinha noção disso? — Jack parecia dividido entre genuíno interesse e a necessidade de disfarçar, fingindo que conversavam sobre um assunto qualquer.

— Não.

— Você não sabia que era importante?

Ela divagou.

— Acho que o universo nos manteve inconscientes disso.

— Como... — ele hesitou — transferir suas memórias para um relógio de bolso?

Martha se calou. Aquilo era falar sobre ele? Ela esboçou um sorriso envergonhado.

— Desculpa, acho que tenho ouvido muito Alan Watts.

Jack não sabia exatamente quem, ou o que, era esse Alan Watts que ela mencionara.

— Eu só fiquei animada por ter sido tão importante uma vez na vida. Mesmo que tenha sido só em um sonho.

— Você é importante. — Aquilo saiu rápido demais, quase automaticamente.

Martha lançou-lhe um olhar cético, cheio de deboche.

— Continue dizendo isso. Uma hora, talvez, você acredite.

Não valia a pena insistir. Ela não parecia acreditar nisso ultimamente.

— Eu estava lá, no seu sonho? — Jack estreitou os olhos, curioso.

— Sim... Na verdade, estava. Embora, para ser honesta — Cruzou os braços e olhou para os próprios pés —, houvesse muita gente lá. Quase todo mundo.

Silêncio.

— Até mesmo... — Jack apontou para cima, em um gesto que remetia ao dia em que se reencontraram pela primeira vez na base da Torchwood, quando ele fez o mesmo gesto para referir-se ao Doutor.

Aquilo, definitivamente, era sobre ele. "Não vamos falar sobre ele nunca mais." Promessas difíceis de cumprir. Martha não sorriu, embora percebesse uma leveza forçada na expressão de Jack e sentisse que devesse retribuir. Ele notou sua reação e se sentiu um pouco envergonhado.

— Foi mal. — Ele esboçou um sorriso. — A gente não consegue, não é? Parar de falar sobre ele.

Sim, eles não conseguiam. No fim das contas, todas as coisas boas e todos os problemas giravam em torno daquele maldito Doutor.

— Você tem certeza de que não é um novo alienígena, criando coisas na sua cabeça para nos fazer trabalhar juntos em mais uma missão para salvar o mundo? — Jack disse, arrancando um sorriso genuíno de Martha.

— Se for o caso, eu não... — Ela fez uma pausa. Faltaram-lhe forças para terminar a frase: "Eu não quero voltar a resolver os problemas do universo, estou cansada disso". Contudo, ela não queria se entregar ao vitimíssimo.

Isso porque ela nunca acreditou que salvaria alguma coisa. Ela só estava no lugar exato em que as coisas davam errado e, então, tinha as ferramentas para resolver o que precisava. O prazer de salvar vidas apenas por amor à medicina foi se apagando com o tempo.

Sim, Martha nunca conseguiu realmente desabafar seus problemas diante daquele homem à sua frente. Era só olhar para ele. Olhar para aqueles olhos profundamente azuis e cansados. Ela teria mesmo coragem de dizer que estava com problemas para alguém que não poderia morrer?

A tristeza profunda tem seu início quando é notável que absolutamente todos os problemas alheios parecem maiores que os seus. E, mesmo assim, é possível sentir-se egoísta.

Ela respirou profundamente, apoiando as mãos nas coxas, como se estivesse prestes a ter uma crise — silenciosa, é claro, já que não estava nem um pouco disposta a fazer uma cena diante de Jack. Martha queria gesticular, esganar o ar com as mãos, fazer caretas.

Era como estar com tanto calor, a ponto de querer tirar toda a roupa e sair correndo nua pela rua, mesmo sabendo que isso só pioraria a situação.

— Desculpa, eu... — Ela riu, constrangida, tentando se recompor. Fechou os olhos lentamente, as mãos agora apoiadas na cintura. — Ah, ele é uma droga.

Jack não disse nada por um momento. Encostou-se novamente na parede, apoiando a cabeça e olhando para algum ponto indefinido do outro lado da rua.

— Como a porra de uma droga viciante.

Eles precisavam de reabilitação, uma terapia de choque.

O Doutor era um turbilhão. Não importava o quanto fosse essencial para o universo, ou o fato de sempre estar lá para salvar o dia, ele também era um caos completo. Jack brincava, dizendo que nunca gostaria de tê-lo conhecido, porém não sabia que essa brincadeira poderia se tornar um desejo muito real e, ao mesmo tempo, uma mentira descarada.

Era simples: uma vez deixado de lado, de repente, o universo o descartava. E, então, a forma de compensar tal coisa era com experiências mundanas, na tentativa de esquecer que, no fundo, existia realmente um certo desespero.

Já que tudo era sempre sobre o Doutor, Martha queria dizer coisas bem desagradáveis. Depois, pediria desculpas e diria o quanto o amava. Jogaria nele a culpa por absolutamente todas as merdas da sua vida, apenas para, em seguida, agradecer por tudo de maravilhoso.

Jack? Ele só queria gritar com ele sem motivo nenhum ou sem palavras que fizessem sentido.

Jack esboçou um sorriso, um daqueles sorrisos frágeis que só existem para mascarar o óbvio: ele estava prestes a desabar.

— Oh... — Ele ergueu o dorso da mão, agora fora do bolso do casaco, e a colocou diante do nariz, sugando o ar como quem tenta segurar algo que já escapava. — Desculpe, eu só...

Martha o observou, e era impossível não notar: seus olhos estavam prestes a explodir.

— Jack.

— Ah, droga. — Jack começou a chorar. Tentava insistir que era bobagem, fungando, forçando um sorriso que parecia mais um reflexo automático do que qualquer outra coisa. — Estou tão cansado...

Cansado. Exausto. Magoado.

Era isso. Finalmente, ele dizia em voz alta o que queria dizer há tanto tempo, absurdamente tanto tempo.

— Tão esgotado... Eu só queria...

Oh, céus. O rosto de Jack estava em ruínas. Seus lábios tremiam. E aquilo era tão real. Tão doloroso.

Assim como antes dito, às vezes é necessário apenas estar presente, e Martha estava. Ela queria concordar, listar inúmeras coisas que provavelmente ecoariam a agonia de Jack. Entretanto, apenas ficou ali, imóvel, com os olhos fixados parcialmente na imagem daquele homem cedendo a um momento tão frágil.

Ele deu alguns passos desnorteados antes de se agachar no chão, como uma criança, escondendo o rosto entre as mãos. Droga, aquilo era lamentável.

Martha queria saber o que ele queria. Desejava algo? Gostaria de ter o Doutor? Queria Ianto? Desejava poder morrer? O quê? Ela gostaria de perguntar, porém não sabia como. Nem mesmo se devia.

Pensamentos intrusivos passaram por sua mente em poucos segundos — questionar se Jack gostaria de sair correndo pela rua com ela, atirando pedras nos vidros dos carros. Ele provavelmente riria. Mas sabia que um sorriso não era o que ele precisava.

Ela deu alguns passos, parando diante daquela "pobre criatura". Respirou fundo para reunir coragem, e se agachou ao lado dele. Martha também não estava em seu melhor estado emocional. O ato de prender um choro não aliviava; só machucava o peito.

Ela não sabia ao certo se estava tentando provar algo a si mesma.

Suas mãos se estenderam e pairaram sobre os ombros de Jack, mas não o tocou de imediato. Ela hesitou.

Então, achando que era uma forma mais... atualizada de demonstração afetiva, apoiou a cabeça no ombro dele, com as mãos repousando em suas costas. Jack sentou-se no chão, aceitando o fato de que não tinha intenções de levantar. A rua não era exatamente um bom lugar para aquele tipo de situação, mas o homem não se importava. Martha queria acompanhá-lo. Dois velhos cansados e uma dose de choro, mas ela apenas engoliu, pois queria muito gritar. Os olhos estavam marejados, no entanto.

Alguns minutos passaram, embora parecessem horas. Talvez fosse porque o sol começava a se pôr, arrastando o tempo consigo. Jack colocou a mão sobre a cabeça de Martha. Por um instante, quase pensou que ela tivesse dormido. Ambos mantinham as cabeças apoiadas um no outro.

Um apoio.

Isso.

— Queria que você fosse essa fração do universo — Jack finalmente disse, com sua voz tremulante e quase falhando — Você poderia resolver tanta coisa...

Martha pensou rapidamente. A partir daquele momento, qualquer palavra que falasse poderia desencadear mais lágrimas, trazer uma solução ou simplesmente não surtir efeito algum.

— Acho que não — respondeu ao virar-se levemente na direção dele, sem mover a cabeça do apoio. A proximidade fez com que quase sussurrasse em sua bochecha. — A graça de ser a fração do universo seria ter a escolha total de não possuir absolutamente poder algum sobre as coisas que obviamente controla. Eu seria egoísta. Iriam pedir minha ajuda, e eu simplesmente negaria, com o pretexto óbvio de não querer e... de ter um desprezo total pela vida humana.

Sombrio. "Será que fui sombria demais?", pensou ela.

— Por favor, me diga que você passou a semana montando esse monólogo. — Jack suspirou e isso fez Martha rir. — Eu não tenho nenhuma frase de efeito para te dar agora.

— Eu só falei algumas palavras. Fez sentido? — Martha sorriu largo, entrelaçando os braços no de Jack. Ela deslizou até alcançar suas mãos, e eles as cruzaram sem cerimônia.

Por um instante, tudo ficou quieto. Talvez o silêncio os incomodasse novamente, mas Jack decidiu quebrá-lo:

— Como ele se chama?

Martha arqueou as sobrancelhas, olhando para o rosto dele com curiosidade.

— Ele quem?

— Seu filho. — Ele finalmente tomou coragem.

— Oh, você não sabe o nome do August? — Ela fingiu indignação, embora soubesse a verdade. A última vez em que se encontraram, August ainda estava em sua barriga. Naquela época, nenhum dos dois quis tocar em assuntos maternos: qual era o sexo, se Mickey era o pai, qual seria o nome escolhido... essas "bobagens" de gravidez.

— August! Agora sei. — Jack afirmou freneticamente, balançando a cabeça. — Ele já está com quantos anos?

Questionou de modo doce, quase infantil; era como se realmente lidasse com uma criança pequena.

Martha engoliu em seco, apertando um pouco mais fundo a mão de Jack.

— Hum... Não tenho certeza. Talvez... — Hesitou antes de responder — 18, 50 ou 200 anos.

Foi um daqueles momentos em que Jack se questionava internamente, sem saber como reagir. Ele sentia que havia algo mais profundo ali, mas decidiu não demonstrar muita curiosidade. O problema era que seu rosto estático, com a boca semiaberta e os olhos estreitos, já o denunciava.

Martha sorriu.

— Não consegui esconder dele... Você sabe, toda essa vida. E então, um dia, ele decidiu ir com o pai.

— Que seria o...? — Jack fingiu dúvida, inclinando a cabeça e sorrindo com malícia.

— Mickey.

Ele assentiu com um ar teatral.

— E August nunca mais falou com você?

— Sim, na verdade... — Martha fez uma pausa antes de continuar, quase receosa. — Ele disse que encontrou o Doutor.

— É de família.

Martha queria que August fosse médico, professor, um balconista de loja — qualquer coisa. O que não queria era isso. Seria egoísmo? Toda aquela emoção espacial encantou o garoto em segundos, e Mickey não parecia se importar. Ele disse que a adrenalina estava no sangue, o que era irônico, considerando como eles discutiam durante muitas missões.

Martha era reflexiva, cuidadosa; Mickey, ao contrário, havia se tornado alguém que chutava portas sem pensar no que poderia estar atrás delas — mesmo que fosse uma bomba. Ele era um idiota destemido, e isso a deixava louca. Ela vivia dando esporros, tentando ensinar que coragem demais poderia acabar mal. "Você precisa ter medo às vezes", ela dizia.

Mas Mickey estava no automático, agindo sem cálculo e apenas com impulso, pois foi assim que conseguiu defender a Terra e foi a fórmula que ele preservou. E, para piorar, quase sempre dava certo. Isso a deixava ainda mais frustrada. Ela não queria que August puxasse tanto o pai.

Porque, no fundo, desejava que o filho pudesse simplesmente ser covarde e fugir.

— Talvez um dia você o encontre por aí — Martha continuou, com um sorriso leve. — Ele é muito inteligente, entusiasmado... Mas, por favor, me prometa uma coisa, do fundo do coração, Jack.

— O quê?

— Se um dia você o encontrar, não flerte com ele.

Jack gargalhou. Dessa vez, foi um riso genuíno. A resposta o pegou de surpresa. Ele esperava que ela pedisse para protegê-lo, ajudá-lo, ou até mesmo levar algum recado de casa.

— Olha — começou, ajeitando a postura ao erguer um dedo —, existem duas hipóteses. Se ele for tão bonito quanto os pais, aí terei um problema!

Jack fez uma pausa dramática e inclinou a cabeça para o lado.

— Mas se ele for uma cópia escarrada de vocês dois, saberei exatamente com quem estou lidando. Portanto, eu prometo.

Jack piscou, e o sorriso cresceu. Martha estava falando realmente sério, mas não insistiu.

— Desculpa não ter ligado antes — Martha falou, com sua cabeça ainda apoiada no outro, como se precisasse justificar o silêncio.

— É engraçado... — Jack olhou para o lado, desviando sua atenção. Mesmo sentado, ainda parecia maior, e tudo o que Martha enxergava era o topo de sua cabeça. — Você só me ligou uma única vez na vida.

— Eu não sei como responder a isso.

Era verdade. Jack sempre foi o que corria atrás. Ele não sabia bem o porquê, mas era sempre ela ou Rose, embora não soubesse do paradeiro da loira. Martha insistia que não era especial, que só fazia o que precisava ser feito, porque as coisas estavam bem diante de seus olhos e ela era capaz de resolvê-las.

Ela morreria em breve. Não literalmente no dia seguinte, mas talvez em 10 ou 50 anos. Para alguém como Jack, parecia breve. E, em comparação com ele, Martha escolheu estagnar, voltar a ser "normal" — afinal, ela tinha escolha. Porém o problema estava no fato de, uma vez que estivesse no olho do furacão, os dias ensolarados pareciam estranhamente vazios.

Ela entendia agora o que Donna uma vez lhe dissera: como poderia voltar a uma vida comum depois de ter visto tudo aquilo com o Doutor? Só não esperava que fosse demorar tanto para aquilo se concretizar, e que a sensação de vazio viria acompanhada de uma melancolia que não sabia como afastar. No fundo, era porque estava sozinha.

Jack, por outro lado, já havia acumulado muitos anos de idade — uma eternidade de memórias, dores e arrependimentos. Ele havia usado o manipulador de vórtice inúmeras vezes, pegado carona na TARDIS sempre que podia, ido e voltado, tinha ficado preso no tempo, esquecido coisas no futuro e retornado para buscá-las. Ele tinha apanhado, corrido, sangrado, chorado, e havia ficado sozinho.

Havia muita coisa nele. Muita coisa mesmo. No entanto, também não havia nada.

Ele sentia que explodiria. Sentia isso o tempo todo. Contudo, nunca acontecia, e isso era agonizante.

Jack queria desistir, mas não tinha como.

— Jack — chamou Martha, rompendo o silêncio.

— Hum?

— Minha bunda está doendo.

O chão era gelado e duro, algo que Jack já havia comentado uma vez: não importava o quão acolchoadas as nádegas dela fossem, sentar no chão nunca era confortável. Ele quase fez uma piada sobre isso, mas desistiu no meio do pensamento.

Ah, certo. Jack havia parado de flertar com Martha fazia alguns anos. Não porque tivesse perdido o interesse, mas porque sabia que aquilo nunca chegaria a lugar algum. Na época, ela sempre estava em momentos de "não é hora para isso": uma criatura correndo atrás deles, um corpo aberto na sala de autópsia, o fim do mundo iminente... As prioridades eram outras.

Ainda assim, Martha mantinha acesso ao antigo e-mail que usava para receber as mensagens da Torchwood. E lá estavam eles, nas entrelinhas e rodapés: os emojis de beijos, bolos e pêssegos que Jack sempre deixava, com segundas intenções tão óbvias que ela quase podia ouvi-lo rindo enquanto digitava.

Ele era assim; fazia tais coisas para compensar seu sofrimento, e Martha sentia pena dele.

— Certo! — Jack exclamou, forçando-se a levantar. Logo depois, estendeu a mão para ajudar Martha a se erguer.

Ela limpou a calça e ajeitou o cabelo, enquanto ele devolvia as mãos aos bolsos. O casaco de Jack estava desgastado e por isso Martha se perguntou se era o mesmo de sempre. A cor parecia um pouco mais clara agora, mas ainda tinha aquele ar familiar. Talvez ele o mantivesse como uma espécie de lembrança, algo que fosse capaz de conectar o presente a um passado que ele não podia mais ter.

Havia tantas coisas que ela gostaria de perguntar.

— Você quer ir para minha casa? — disse Martha.

Não foi impulso, nem havia segundas intenções. Martha não queria levar Jack a um lugar público, nem expô-lo ao espaço compartilhado de qualquer lugar ou pessoa, em razão de Jack estar sempre vivendo de forma banal.

Queria levá-lo para sua casa por um instante. Não para impressioná-lo, mas para mostrar algo simples, algo que contrastasse com o pandemônio constante dele. Trocar uma biblioteca infinita por um único livro.

Ela queria oferecer uma pausa genuinamente tediosa. Nada de viagens no tempo, nem abandono em um universo paralelo ou em um passado distante. Nada de fusões mentais com Senhores do Tempo, congelamento atemporal, transformações em algo que você não é, ou até mesmo a morte. Apenas Martha e sua casa de três cômodos, com um catálogo quase interminável de filmes na TV e o gato do vizinho miando por comida.

Jack olhou tristemente, mas não por estar realmente desanimado. Era como dizer, sem palavras: "Oh, Martha, você é gentil demais para mim". Em vez disso, estreitou os olhos sarcasticamente.

— Você não está pensando em se aproveitar do meu corpo, está? — Ele cruzou os braços no peito, como se estivesse vulnerável. Martha fechou os olhos e suspirou.

— Você não consegue parar com isso, não é?

— É mais forte do que eu, desculpe. — Ele sorriu sem mostrar os dentes, tentando esconder um pouco da seriedade.

— Faz um tempo que não peço pizza — ela começou, mas decidiu não sentir pena. Riu da desgraça alheia. — Uma pizza não vai te matar.

Jack olhou para Martha com tanta ternura que a fez se esquecer com quem estava lidando. Martha sentiu uma saudade imensa de olhar para seu rosto, para o queixo — sim, o queixo dele. E os olhos, ainda inchados, que se recuperavam de uma choradeira quase interminável minutos atrás.

Um dia ela morreria — a não ser que se tornasse especial e fizesse parte daquela fração do universo, como nos seus sonhos. Porém, tirando isso, iria embora em breve e Jack não poderia mais ligar para seu celular atemporal para conversar, chorar e dizer o quanto estava exausto. E então ele estaria realmente sozinho, envelhecendo mentalmente por milhares de anos; somente ele e ele mesmo.

Ele estendeu o cotovelo, oferecendo apoio para que ela entrelaçasse o braço no dele. Um cavalheiro.

— Me mostre o caminho.

Editar Excluir

um suco de morango

2025-05-21 23:49:27

C

Editar Excluir